Solidão e mortalidade entre idosos


A solidão está associada com riscos de morbidade (ie, disfunção, doenças) e mortalidade. Isso parece intuitivo e de certa forma até um “senso comum”. Mas, pensando em comprovar essa afirmação cientificamente, Páraic O’súilleabháin e outros autores conduziram uma pesquisa na Alemanha. O estudo incluiu 413 participantes, com uma média de 84.5 anos de idade, que foram divididos em dois grupos: aqueles que moravam sozinhos (253) e aqueles que não moravam sozinhos (160). O principal objetivo foi avaliar se havia alguma diferença de mortalidade entre os grupos, levando em consideração a solidão. 

Primeiro, então, é preciso definir o que é solidão. E os autores a dividiram, como o fez Weiss, em duas dimensões: social e emocional. A solidão emocional surge da perda ou da ausência de uma figura de apego emocional. Geralmente, ela é acompanhada de sentimentos de ansiedade, hipervigilância e abandono. Por outro lado, a solidão social vem da ausência de uma rede social, que compreende amigos e conhecidos, que pode dar um senso de companheirismo e pertencimento. Ela é acompanhada de sentimentos de tédio, depressão, falta de sentido nas coisas. Esses dois tipos de solidão nem sempre andam juntos. É perfeitamente possível ter um e não ter o outro. 

Mas como se avalia a solidão? Não é um conceito subjetivo? Sim, mas existem escalas usadas para tentar comparar objetivamente esse sentimento. Os autores usaram a Escala de Solidão da Universidade de Los Angeles, que leva em consideração tanto aspectos sociais como emocionais da solidão (ex., “eu me sinto parte de um grupo de amigos”, “eu me sinto isolado”). As respostas vão de 1 “não se aplica a mim” até 5 “se aplica muito bem a mim”. Maiores pontuações na escala representam sentimentos mais intensos de solidão. 

Os autores também avaliaram sexo, idade, status funcional (capacidade de realizar atividades do dia-a-dia sozinhos ou com ajuda), renda familiar per capta, nível educacional, status marital, personalidade (que foi avaliada usando uma escala, da mesma forma que a solidão), presença de depressão e perda recente de um ente querido.  Por fim, compararam os dois grupos e o que descobriram foi o seguinte: 

  • Entre os pacientes que tinham solidão emocional, aqueles que moravam sozinhos tiveram uma mortalidade maior do que os que não moravam sozinhos. 
  • A cada aumento de um desvio-padrão (uma unidade usada pelos autores) na escala de solidão emocional foi associado com um aumento de 18.6% da mortalidade.
  • A solidão social não foi associada a um aumento de mortalidade, nem nos pacientes que moravam sozinhos, nem naqueles que moravam com outras pessoas. 
  • Entre os que não moravam sozinhos, a solidão de qualquer tipo não influenciou a mortalidade
  • Quanto mais independente o idoso, maior o efeito da solidão na mortalidade. A cada ponto a mais na independência pelo questionário usado, houve um aumento de mortalidade naqueles com solidão em 17.9%.
  • Não houve relação entre o tipo de personalidade e a solidão. 

E o que significa tudo isso? Em resumo, o estudo nos fornece alguns insights sobre a solidão e a mortalidade. Ao que tudo indica, a solidão emocional é o componente mais tóxico da solidão. Ela pode afetar vários idosos, mas irá aumentar a chance de mortalidade naqueles que moram sozinhos. Quanto mais só o idoso se sente, pior é o efeito. 

Por outro lado, a solidão social, por mais que possa impactar outros aspectos da vida que não foram avaliados pelo estudo, não influenciou na mortalidade dos pacientes. Além disso, parece que não morar sozinho é um fator protetor a todos os idosos. 

Claro que nenhum estudo é perfeito, e algumas das limitações apontadas pelos autores incluem a diferença cultural entre os países, que pode exercer influências nos resultados, e o fato de perdas de entes queridos que não foram consideradas recentes não terem sido incluídas na análise.

E como levar esses resultados para a vida prática, a vida real? Se, por um lado, nos leva a refletir sobre os efeitos de causas “não médicas” na mortalidade das pessoas, por outro nos faz tem um olhar mais especial e atento com os idosos que moram sozinhos. É importante procurar por sinais da solidão, ainda que eles não falem abertamente sobre isso. E essa solidão pode ser ainda mais dolorida e ter mais efeitos nos idosos que são altamente ativos e independentes (ao contrário do que poderíamos pressupor com base na experiência).  Pela própria definição, o estudo nos mostra que apego emocional é vida! 

Referências 

OʼSúilleabháin, P. S., Gallagher, S., & Steptoe, A. (2019). Loneliness, Living Alone, and All-Cause Mortality: The Role of Emotional and Social Loneliness in the Elderly During 19 Years of Follow-Up. Psychosomatic medicine, 81(6), 521–526. https://doi.org/10.1097/PSY.0000000000000710

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